7 de jul. de 2010

Alunos de uma escola pública da Asa Sul depositam em uma cápsula do tempo as expectativas e os desejos que gostariam de ver realizados, para eles próprios e para Brasília, até setembro de 2014.
Leilane Menezes
Correio Brasiliense
Publicação: 07/07/2010 07:00
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/07/07/cidades,i=201168/ALUNOS+DO+CEF+4+SONHAM+COM+UM+FUTURO+MELHOR.shtml
Quatro anos é pouco tempo para mudar o mundo ou para virar a realidade do avesso. Mas também pode ser muito. São 48 meses. O prazo que um governo tem para melhorar uma cidade, em alguns casos um país. É também tempo suficiente para ter uma nova chance de ser hexacampeão na Copa do Mundo. Dá para cursar uma faculdade. Ver uma criança aprender a andar, comer sozinha e falar. Em quatro anos, é possível renovar muitas esperanças.



A turma de aceleração de aprendizado, composta por 36 estudantes, quer uma cidade com políticos mais honestos, menos violência e bons colégios: incentivo contra a baixa autoestima.


Pensando no que a passagem dos dias pode trazer de bom, 36 alunos da turma de aceleração de aprendizado do Centro de Ensino Fundamental 4 da Asa Sul (CEF 4) criaram uma “cápsula do tempo”. Nela, depositaram os melhores desejos, escritos em pedaços de papel, para eles mesmos e para Brasília. Os jovens enterraram ontem o recipiente de plástico no jardim da escola. Daqui a quatro anos, vão se encontrar no mesmo lugar para resgatar os pedidos e saber se eles se realizaram. Entre os principais anseios dos adolescentes estão uma cidade com políticos mais honestos, menos violência e bons colégios.
Quando vencer o prazo, os professores e a direção da escola pretendem se mobilizar para encontrar os alunos envolvidos na atividade. Vão convidá-los, via internet e com ajuda ainda da mídia local, a voltarem ao centro de ensino em 5 de setembro de 2014, data escolhida aleatoriamente.
Os protagonistas desta ação são meninos e meninas de 14 a 16 anos que sofreram as consequências das falhas do sistema público de ensino da capital do país, além de outras adversidades, e agora tentam recuperar o tempo perdido. Foram reprovados mais de duas vezes, pelos mais variados motivos, e não tiveram (ou não souberam escutar) a orientação dos pais e dos professores.
Faltava motivação para seguir em frente com a vida escolar. A turma criou então um projeto para manter a fé no futuro e tentar também mudar de atitude diante do mundo. No começo do semestre letivo, durante uma aula de português, surgiu o debate sobre temas da atualidade. As opiniões eram diversificadas. Surpreendentes. A professora da disciplina, Maria Inês de Oliveira, sugeriu que eles montassem um ranking com 10 sugestões para construir um mundo melhor.
Foram tantas as respostas criativas que ela decidiu ir mais longe e sugeriu a construção de uma cápsula do tempo, um potinho de plástico no qual cada um depositaria o próprio otimismo. Anos depois, todos se reencontrariam para refletir sobre as expectativas. O grupo se empolgou com a sugestão e mergulhou no projeto. “É muito difícil envolver uma turma de aceleração. Eles chegam aqui sem estímulo, desacreditados. É muito bom vê-los com propósitos”, diz Inês.

Protagonismo

Durante seis meses, eles trabalharam em sala de aula para elaborar a cápsula. A professora convidou outros docentes para colaborarem com a ideia. Os professores Henrique Alvarenga, de biologia, e Thiago Fraga, de química, deram aulas e oficinas aos estudantes sobre qual seria o melhor material para proteger seus desejos da ação do tempo. “Expliquei a eles sobre a diversidade dos plásticos. Eles pesquisaram e chegaram à conclusão de que o PVC era a melhor alternativa. Afinal, a caixa vai ficar enterrada por muito tempo, exposta à ação da chuva”, explica Thiago.

A fórmula de combinar os ensinamentos dos livros com a transmissão de valores que vão muito além da vida escolar deu certo. “É muito motivante desenvolver o aprendizado assim. Nós compartilhamos ideias, mas eles decidiram tudo no fim. O protagonismo deles é essencial”, afirma o educador. Os alunos desinfetaram com álcool e vedaram o recipiente com plástico adesivo, para evitar a degradação. O conteúdo dos bilhetes também recebeu cuidados especiais. “Eles pesquisaram os temas da nossa atualidade para saber do que Brasília mais precisa. Ali, enterramos esperanças”, conta Inês. As letras foram escritas a lápis em papel comum, porque tinta de caneta pode ser borrada ou mesmo apagada ao menor sinal de umidade.

Histórias

A estudante Jéssica Menezes, 16 anos, moradora da Asa Sul, espera que em 2014, o DF sofra menos com a poluição, com os corruptos. Ela sonha ainda com um mundo onde a verdade esteja mais presente. “Queria acabar com a desigualdade. Espero que daqui a quatro anos não precise existir a aceleração de aprendizado, com um ensino mais digno em todas as escolas públicas”, detalha. A adolescente passou por um período traumático no ano passado. Ela se mudou para a casa de uma tia e estudava em Ceilândia. Viu uma colega ser espancada por outra garota ao ponto de perder um dos rins. “Fiquei com medo. Não consegui mais voltar para a escola e perdi o ano, por isso estou aqui hoje”, relembra.

Francielly Teles, 15 anos, desejou que os seres humanos não banalizem ainda mais a violência. “O mundo tem de acabar com essa rotina de tragédias. O ser humano precisa ser feliz e não apenas se acostumar com o que está errado”. Lucas Rodrigues, 16 anos, depositou no papel enterrado na caixa uma vontade enorme de que não exista mais dependência química. Quer também que a polícia seja cada vez mais eficiente. Tudo isso faz parte da realidade do menino. “Cansei de perder amigos para as drogas. Cansei também de ver a polícia tratando todos os pobres como se fossem bandidos”, afirma. Danilo Falcone, 16, pensa em crescer com Brasília. “Entrei atrasado na escola, com 10 anos, porque meu pai não tinha condições de me colocar no colégio. Daqui a quatro anos, quero estar terminando o segundo grau e começando a faculdade de engenharia”.

Luiza Gambirasio, 15 anos, moradora do Guará, também teve problemas. Reprovou a 1ª e a 3ª séries e atribui a dificuldade à qualidade do ensino recebido por ela na época da alfabetização. Ela escreveu um discurso para ler na cerimônia de lançamento da cápsula. “Temos que melhorar nesse ano para que nos próximos sejamos mil vezes melhores. Tudo o que escrevemos, começaremos já. Nem tudo é perfeito, mas devemos fazer o melhor. Todos erramos, mas temos como consertar. Esperamos ter notícias daqui a quatro anos de que Brasília é um lugar melhor: sem bullying, sem violência e sem agressão”. Ao entrar no CEF 3, o visitante esbarra em uma placa em que se pode ler uma mensagem sucinta, mas expressiva: a palavra verdade, em letras grafadas escritas a mão com muitas cores. O termo resume o desejo dos estudantes: viver em um mundo que não lhes roube a possibilidade de sonhar.

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